Segunda-feira, 7 de Setembro de 2009

a frase feita: o lugar-comum

 

 

No outro dia, li que o Sarkozy pretende alargar o G8 – um denominado grupo de nações economicamente desenvolvidas – para 14 países, passando assim a um G14. Umas das razões que ele evoca é o facto dessas novas economias emergentes preencherem os requisitos necessários para agora serem aliados estratégicos. Ou seja, já deixaram de ser países em vias de desenvolvimento – ou, vá lá, terceiro mundistas. É assim que, infelizmente, se designam os países com economias menos desenvolvidas, em grande parte por causa de algum “imperialismo” por parte dos mais desenvolvidos. Convenhamos que alguns ainda estão a dar os primeiros passos rumo ao capitalismo. No final da década de setenta, o conhecido produtor de cinema Dino De Laurentiis, adquiriu os direitos das crónicas de Ernesto Guevara para assim produzir um filme biográfico sobre “El Comandante” tendo como protagonistas Marlon Brando e Gene Hackman nos papéis de Che e Fidel, respectivamente. Apesar de toda a sua influência e de ter apresentado o seu projecto aos principais estúdios de cinema, para os quais produziu inúmeros êxitos, nunca conseguiu levar esse seu filme avante. Todos eles lhe disseram que apesar dos seus créditos e dos actores propostos, o filme não era comercial pois relatava as viagens dum jovem médico por alguns países da América Latina pouco desenvolvidos – ou, vá lá, terceiros mundistas – até se tornar um comunista revolucionário – ou, vá lá, terceiro mundista. Foram precisas duas décadas, e o fim da "Guerra Fria", para o filme ver a luz do dia com outros protagonistas.
 
Quando um terrorista palestiniano – ou, vá lá, terceiro mundista – comete um atentado lastimável e censurável, assassinando vários civis inocentes em Israel, país do designado “primeiro mundo”, a sua acção vem seguida do horrível lugar-comum da “condenação absoluta”. Mas se um estado terrorista como Israel assassina preventiva e selectivamente uma dúzia de crianças ou anciãos palestinianos – ou, vá lá, terceiro mundistas – ouve-se o perverso lugar-comum da “profunda preocupação”. Só que o próprio “terceiro mundo” tão-pouco está a salvo do lugar-comum quando qualquer acto de violência e retaliação é justificável como sendo parte duma suposta “Guerra Santa”. Agora vejamos, por exemplo, o nosso caso: Portugal é considerado um país do “primeiro mundo” quando todos nós sabemos perfeitamente que – quanto muito – faremos parte do “segundo mundo”. Mas desenganem-se os que pensam que os países segundo mundistas estão em vias de se tornar primeiro mundistas ou até descambar para terceiro mundistas. Não, na verdade, quem está no patamar dos segundos mundistas não vai a lado nenhum. Ou seja, desembaraçou-se de ser terceiro mundista para despistou-se no caminho para o “primeiro mundo”. Porém, nunca se ouve alguém designar um país como segundo mundista pois, como se pode entender, tal não existe. Um país ou é desenvolvido, do “primeiro mundo”, ou está em vias de desenvolvimento – ou, vá lá, terceiro mundista. A economia é o principal pêndulo da balança que determina a que “mundo” pertence um país. Tem graça que esta forma de escrutínio seja por si só pouco desenvolvida – ou, vá lá, terceiro mundista.
 
Em alguns países menos desenvolvidos – ou, vá lá, terceiro mundistas – as suas culturas sociais não permitem abandonar os avós à sua sorte num miserável campo de concentração ajardinado, a que chamamos de casa de repouso, atados a uma cama para não estorvarem os nossos lares de “primeiro mundo”. Pelo contrário, nesses países eles costumam morrer nas suas casas pobres mas rodeados do amor dos parentes pois esses povos "pré-históricos" – ou, vá lá, terceiro mundistas – valorizam a sabedoria e a experiência dos seus anciãos. A lapidação duma mulher acusada de adultério num país árabe – ou, vá lá, terceiro mundista – é um crime que escandaliza as boas consciências do “primeiro mundo”, mas os assassinatos de mulheres pelos seus cônjuges, nos tais países desenvolvidos, socorrem-se do lugar-comum ao considerar isso como violência doméstica. Todavia, somos logo os primeiros “primeiro mundistas” a condenar o desrespeito pelas mulheres que são forçadas à submissão. Nas nossas sociedades modernas ainda estamos a dar os primeiros passos num lento processo que visa à igualdade das mulheres perante os homens. Mas se nos consideramos países desenvolvidos, então porque raio demorámos tanto tempo, não obstante termos ainda um longo caminho a percorrer? Contudo, não olhamos da mesma forma para os costumes ancestrais e antiquados dos países mais pobres pois é muito mais fácil apontar-lhes o dedo e chamá-los de selvagens ou bárbaros – ou, vá lá, terceiro mundistas. Então, seria de bom-tom que os principais comunicadores evitassem o lugar-comum: sobretudo numa época em que as civilizações e sociedades se chocam e os hábitos e costumes se extremam. O lugar-comum não pode ser desculpado como sendo uma frase feita para designar um país e o seu povo pois,  ao contrário do que se pensa,  não é uma terra de ninguém.
 
Um abraço...
shakermaker

 

para ouvir: The Masses Against The Classes » ManicStreetPreachers (1999)
para ver: DiarioMotocicleta » G.G.Bernal
blogjob por shakermaker às 00:00

ISOLAR POST | DESANCAR POST | RECOLHER POST
15 LINCHAMENTOS:
De mfc a 8 de Setembro de 2009 às 18:03
Gostei muito da ironia com que retrataste esta hipocrisia toda.
De http://shakermaker.blogs.sapo.pt a 8 de Setembro de 2009 às 20:47
Ora viva!

Caro mfc, obrigado pelo elogio mas acima de tudo por ter chegado à mesma conclusão que eu:
hipocrisia quando se diz ser politicamente correcto.

Um abraço...
shakermaker
De Isolamento Acustico a 10 de Março de 2010 às 15:33
Podes crer!
De OGajo a 9 de Setembro de 2009 às 15:43
Excelente post. Será um lugar comum dizê-lo? Se for é um lugar comum porreiraço. Kip It Gouingue
De http://shakermaker.blogs.sapo.pt a 10 de Setembro de 2009 às 18:52
Ora viva!

Obrigado Gajo: aime olueis quipeningue ite gouingue.

Um abraço...
shakermaker
De goreti a 9 de Setembro de 2009 às 19:23
Olá boa tarde, ou,vá lá,boa noite quase...rsrsrs
Este pensamento retrata bem a hipocrisia da nossa sociedade. Mas interrogo-me só o indicador económico de cada pais é suficiente para determinar se é um pais dito do 1º mundo ou do 3º?? E os outros valores morais, humanos, etc.
Beijos doces
De http://shakermaker.blogs.sapo.pt a 10 de Setembro de 2009 às 18:56
Ora viva!

Cara Goretti, infelizmente os países "primeiro mundistas" partem sempre do princípio que somos intelectualmente, moralmente e culturalmente mais desenvolvidos.

Obrigado e volte sempre!

Um abraço...
shakermaker
De Administração a 10 de Setembro de 2009 às 18:36
Boa tarde
Obrigado pelo visita ao kaska
Estive a ler este post e a hipocrisia é bem retratada, mas sem forma de dar a volta. Vivemos num país de hipócritas.
Cumprimentos
De http://shakermaker.blogs.sapo.pt a 10 de Setembro de 2009 às 19:02
Ora viva!

Como em tudo, há sempre forma de dar a volta e, se reparar, no último parágrafo, explico o meu ponto de vista para o fazermos: um primeiro passo.

Porém, seria presunção da minha parte se indicasse a solução. Isso sim, seria hipócrita. Dei uma opinião do que para mim está mal e outra opinião de como evitar fazer mal. Vivemos num país com portugueses.

Um abraço...
shakermaker
De la vie en long-métrage a 11 de Setembro de 2009 às 00:37
O homem sempre foi um animal. E um dos mais violentos que existem. Não só pelo acto de agredir alguém e estar sempre em guerra, mas também através dos seus ideais - ideais, falta deles ou ideais distorcidos, como quiser. Impera a lei do mais forte, e para isso são usados todos os argumentos e meios necessários para conseguir enganar a maioria. É triste, mas é real.

Um abraço.
De http://shakermaker.blogs.sapo.pt a 14 de Setembro de 2009 às 19:53
Ora viva!

Caro Rui, o seu comentário diz tudo: impera a lei do mais forte sobre os oprimidos, enfraquecendo-os.

Um abraço...
shakermaker
De padeiradealjubarrota a 11 de Setembro de 2009 às 12:27
A maneira como nos países ditos evoluídos tratam os velhos...diz tudo.
De http://shakermaker.blogs.sapo.pt a 14 de Setembro de 2009 às 19:55
Ora viva!

Sim, ao que nós chamamos de quotidiano, os outros - ou vá lá, terceiro mundistas - chamam de tradição.

Obrigado e volte sempre!

Um abraço...
shakermaker
De MalucaResponsavel a 12 de Setembro de 2009 às 20:40
o teu txt fez-me pensar numa série de coisas. a verdade é q nós estamos aqui sossegadinhos e muitas vezes nao reflectimos nestas dicotomias que referes aqui dos países do primeiro mundo vs terceito mundistas.. mas, tudo aquilo que é extremo, seja em que cultura for, tendo a ser negativo. pq todos os países, religioes, culturas, etnias, etc, têm coisas boas e más, pessoas inocentes e culpadas. bem, estou para aqui a divagar...esqce... bj
De http://shakermaker.blogs.sapo.pt a 14 de Setembro de 2009 às 19:57
Ora viva!

Cara Maluca, e divagou muito bem pois estas diferenças dão que pensar no quão injusto é o mundo em que vivemos. Não é de agora mas, infelizmente, os anos passam e não muda nada. Aliás, só piora.

Um abraço...
shakermaker

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