Segunda-feira, 14 de Janeiro de 2008

o amor cabe numa mala

 

Quem já viajou de avião e, porventura, despachou a sua mala, conhece a satisfação que dá recuperar as bagagens depois dum voo. Saímos do avião, muitas vezes cansados, e aí passamos alguns minutos olhando aquele desfile de malas no tapete rolante, até identificarmos a nossa e irmos à nossa vida. Nesta situação, encontro algumas semelhanças com a espera por um grande amor. Algo que sempre me impressiona, vendo as malas passarem pela esteira rolante, é que há pessoas que rapidamente encontram as suas malas, enquanto outros têm que esperar até ao fim. Não há maior felicidade, entre os que esperam, do que a felicidade daqueles que, assim que o tapete começa a rolar, rapidamente conseguem identificar a sua mala. Há pessoas que são assim: desde cedo, têm a capacidade de reconhecer que o seu amor está a caminho, mesmo observando à distância, e tudo o que têm a fazer é esperar que este se chegue mais perto para então o agarrarem. Às vezes, temos a sensação de que já identificámos a nossa mala. – É ela! Só pode ser ela! Tem que ser ela! – Para, quando esta se chega mais perto, percebermos que nos enganámos. Afinal, não era bem aquilo por que estávamos à espera: aquele amor, que achávamos ter identificado, mesmo lá ao longe, por fim não nos correspondia. E isso pode ser frustrante, até porque temos que esperar novas malas aparecerem e, muitas vezes, já estamos escaldados: com um ar blasé, vemos todas as malas passarem diante dos nossos olhos e nenhuma parece ser a nossa. Todavia, são geralmente essas as pessoas que, tendo perdido as esperanças depois de uma decepção, desistem de esperar e não prestam atenção quando a sua mala, a tal que lhe pode encher as medidas, ou até mesmo o coração, está passando mesmo à sua frente. Que chato, não é? Veja só: por um segundo apenas em que se distraía com outra, passou por si a sua.

 

Curioso, é que o contrário por vezes também acontece. Conscientemente, nós já conhecemos a cor, o formato, e até aquele jeito tão característico das nossas malas. Logo, também já sabemos o que esperar. – A minha mala é verde! É verde azeitona mas é verde! – Clamamos. Porém, às vezes, senão na maior parte, erramos. – Aí vem ela! É ela, tenho mesmo a certeza! Mas depois percebermos que não tem nada a ver com o que esperávamos. Outras vezes, iludimo-nos, fingindo acreditar que aquela ali, que vem na nossa direcção, pode ser a nossa mala: mesmo que ela seja azul ou vermelha. E perdemos tempo. Demasiado tempo com essa mala, aliás. Pois podemos acabar por deixar passar a mala que realmente nos serve: a nossa mala. E o que dizer daqueles que sonham com outras malas que não as deles? – Aquela mochila carregada de coisas é para mim! Quando na verdade o que nós mais queremos da vida não é aventura, mas conforto assistindo a séries de TV debaixo dum cobertor. – Eu queria tanto uma mala Louis Vuitton, mas porque é que não posso ter uma? Quando sabemos que na verdade somos pessoas sem muitos luxos e que não ligamos tanto assim a bens materiais. Convém que conheça, muito bem, a sua mala antes de sair à procura desta, ou arrisca-se a pegar num saco todo mal enjorcado só porque é a última tendência do mercado. Há malas que são enfeitadas, chamando-nos a atenção: fitas e laços, etiquetas e cadeados, cores aguerridas ou marcas chiques. Realmente atraem muitos olhares, o nosso e também o dos outros, facilitando assim a sua identificação. Mas tenha cuidado: não é porque uma mala lhe chamou a atenção que será necessariamente a sua. Uma mala que passa despercebida num tapete rolante pode conter muitas surpresas – mas de que adianta ir para casa com uma mala que não corresponde a si – por mais bela que esta seja?

 

Olhando para a esteira rolante, vemos muitas malas passando sem dono e muitos passageiros ainda esperando pela sua bagagem. Até parece que estão todos na passadeira errada, de tanto tempo que demoram a encontrar as suas malas. Sabe, é preciso um certo tempo de adaptação do olhar – mesmo parecendo que nenhuma das malas é a sua, estique-se mais um pouco e relance um último olhar – até que finalmente vê a mala que tanto esperava. Mas não se iluda: mesmo assim, há pessoas que nunca encontram as suas malas. São poucas, dizem as companhias aéreas, mas existem de facto. São, normalmente aquelas pessoas que deambulam pelos aeroportos de check-in em check-in – umas vezes já conformados, noutras vezes muito irritados – tentando perceber onde está afinal a sua mala. Quem nunca passou por esta situação, não pode julgar nem tão pouco perceber a angústia que isso nos pode causar. É como uma sensação de perda: um pouco como se nos tirassem uma parte significativa das nossas vidas. Depositamos mais numa mala do que simples objectos: por vezes, uma parte significativa do nosso amor está despojado dentro duma mala. Contudo, é importante reconhecer que existem milhares de aeroportos espalhados pelo mundo inteiro e onde existem outros tantos milhares de voos onde tudo pode acontecer. Ou outra vez, ou então mais uma vez: ainda que diferente. Se perdeu a sua mala, espere por outra. Não tem que tornar a escolher: dê um tempo a si mesmo e experimente ser escolhido. Não tema: essa mala que está sentada ao seu lado num banco do metropolitano pode não ser uma bomba. Tenha calma! Quanto muito, pode ser uma bomba na cama! Se não considerar isso inofensivo, claro. Não é que se deva agarrar às pegas, ou às asas (para não causar confusões), da primeira mala que lhe aparecer pela frente: mas deve abrir e ver o que está lá dentro.

 

Um abraço...

shakermaker

 

para ver: Sweeney Todd » J.Depp/T.Burton
para ouvir: My Bag por Lloyd Cole And The Commotions em "Mainstream"
blogjob por shakermaker às 00:00

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