Quinta-feira, 6 de Dezembro de 2007

o-que-não-depende-de-nós

 

Para tornar isto mais simples, vamos supor, por exemplo, que tem medo de aranhas. Este é um medo contra o qual não há razão aparente pois vem, pelo menos, da sua infância ou talvez da sua bagagem genética. Convenhamos que ter medo dum bicho tão pequeno e insignificante como a aranha nada abona a seu favor. É ou não é, seu cobardola? Mas tudo bem, digamos que isso faz parte de o-que-não-depende-de-nós, ou OQNDDN, e que, logicamente, é sempre uma boa desculpa para todas as nossas fobias como para todos os nossos medos. No entanto, isso é também como esquecer que um inconveniente pode sempre aumentar e até multiplicar-se infinitamente. Como vemos frequentemente, essa é uma daquelas tristes leis deste mundo que serve de alimento à patetice babosa dos optimistas quando estes dizem que um inconveniente pode esconder uma vantagem. Enfim, outros tantos disparates que até dão origem a alguns provérbios bem idiotas, do género: “não há mal que não venha por bem” ou “depois da tempestade vem sempre a bonança”. Isto é tudo balelas sem pés nem cabeça! Porém, não baixe os braços e descubra a vantagem que se dissimula perfeitamente por detrás do inconveniente, expulsando-a de imediato. Pegando novamente no exemplo da aranha: como é sabido, esta presta os seus serviços, quer na cidade, quer no campo, pois é uma grande devoradora de moscas. No Verão, bastam duas ou três aranhas de tamanho médio no seu quarto para o fazerem feliz. Após três ou quatro zumbidos presunçosos e imbecis de um lado ao outro do quarto, e fazendo voos rasantes em volta da sua cabeça, a criatura voadora cai facilmente nas teias ligeiras que as aranhas teceram para a capturar. E é neste preciso momento que lá se vai a soberba do moscardo! Com as asas presas na teia, poderá ainda responder durante alguns segundos, sacudindo-se nervosamente em todos os sentidos, sem o menor sentido, e enredando-se depois de modo tão furioso quanto impotente. Então, o animal de oito patas vai-se aproximando, lambendo maliciosamente as beiças (mesmo não fazendo a mínima ideia se de facto as têm). Agora, os seus olhos globulosos dardejam sobre a mosca paralisada de terror. Envia-lhe um primeiro jacto e, depois, envolve-a amorosamente com o seu visco fatal e deveras letal. Entretanto, já se ouve um derradeiro zumbido de despedaçar (que é como quem diz: de despedida) e a presa morre abafada na mortalha branca e aveludada que o aranhiço felpudo acabara de tricotar. Bom, voltemos ao cerne desta questão: depois deste exemplo bastante dantesco, há que saber voltar contra si tamanha partilha de tarefas. Como, por mais que se desunhe, haverá sempre um aracnídeo escondido nalguma fenda do soalho ou debaixo da cama, que escapará à sua gesticulação exterminadora bem como a todos os insecticidas, e que estará pronto a vingar-se do genocídio que lhe tinha preparado. Creio que umas quantas picadas nocturnas no seu braço ou no seu pescoço lhe darão a oportunidade exclusiva de somar os dois inconvenientes que outrora se anulavam: o assédio da mosca e a picada da aranha. Cá está o que eu lhe havia avisado anteriormente e um bom exemplo de OQNDDN. Por mais que seja obstinado e teimoso ou tente dar a volta à situação, pode ter a certeza disto: certas coisas não têm remédio ou quaisquer tipos de mesinhas que o valham. Por isso, desista! Contudo, no que diz respeito àquilo-que-não-depende-de-nós, nunca force para o lado mais fraco: neste caso, você mesmo.

 

Um abraço...

shakermaker

 

para ouvir: FiveYears » David Bowie » ZiggyStardustAndTheSpidersFromMars
para ver: The Fly » David Cronenberg
blogjob por shakermaker às 00:00

ISOLAR POST | RECOLHER POST
De cigana a 11 de Dezembro de 2007 às 00:22
Eu tinha um OQNDDN e superei-o. Não tinha a ver com bicharocos, pois não há nada que me faça aflição excepto cobras, e digamos que não me cruzo com cobras o suficiente para me preocupar mais com elas do que elas comigo.
Mas ao ser forçada a superá-lo, apercebi-me de que afinal podia superar qualquer mania e portanto tudo depende de nós.
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